quinta-feira, 15 de maio de 2008

Quando a paixão e o vício se misturam.

Narro aqui o comum, o cotidiano. Estava eu ontem em uma cachaçaria conhecida no Centro do Rio, próximo à Lapa, mordiscando um gurjão de frango e bebericando um belo exemplar de um alambique mineiro, em companhia de uma linda amiga que me acompanha em duas paixões: a cachaça de qualidade e o Fluminense Football Club. Conversávamos amenidades, eu e Manuela, quando fui interpelado por um rapaz que tenho em grande estima - Casemiro, torcedor do São Paulo e admirador de drinques exóticos que estragam o gosto e o aroma de uma boa cachaça. Após a partida de ontem, ele veio me sacanear:

"- Meus grandes amigos tricolores, Nuno e Manuela... como é sentir o gosto da derrota para o tricolor paulista?!"

"- Perdão Casemiro... mas como já adiantava Nelson Rodrigues, só existe um tricolor: o Fluminense. O resto são times que usam três cores."

"- Mas o que é isso, Manuela? Quanto sarcasmo! Como eu já tinha dito, Libertadores é coisa de gente grande."

Pronto, o assunto descambara pro futebol, coisa que eu e Manuela estávamos evitando. Ambos somos apaixonados pelo Tricolor - o de verdade - e irremediavelmente caíamos a discutir a arte de conduzir a pelota com os pés... Dessa vez tentávamos, com algum sucesso, evitar o tema: estávamos ali por outros motivos, de igual nobreza e importância, a materializar um já planejado encontro.

Casemiro, por outro lado, nem era assim um torcedor muito presente. Gostava do São Paulo mas admitia que seu interesse era acompanhar os jogos da Champions' League européia. Namorava uma prima distante minha, com quem futuramente iria se casar. Formavam um belo casal. Ele e Fausta eram daqueles casais que dava gosto de ver: brigavam sempre, mas se amavam. Por que raios ele vinha estragar meu encontro?! Preferi ficar quieto e dar aquela bela fungada na cheirosa cachaça de Minas... Ademais, Manuela era dessas mulheres que não precisam de defesa: argumentam bem, entendem algo de futebol. Ela iria se sair bem.




Eles têm o Imperador? Aqui no Maracanã nós destronamos tiranos.



"- Adriano é Imperador, menina..."

"- Sim, concordo. Do nosso lado, temos o Coração Valente, que entrou pra História por engendrar um bem sucedido golpe de estado que tirou do poder o tirano Eduardo Longshanks..."

Pronto, chegamos naquele ponto onde realidade e mito se misturam. Eu ri, timidamente, enquanto puxava uma cadeira pra Casemiro, pedia uma cachaça para ele e pensava em algo inteligente para dizer. Tocava alguma coisa da Orquestra Imperial no bar, e eu comecei a cantarolar... coisa que irritou o Casemiro.


Isso sim é time.


"- E você, Nuno? Não vai dizer nada?"

"- Bem, eu estou lendo um livro chato de Antropologia pra aula do Fragoso..."

Manuela me olhou com reprovação. Eu nitidamente estava evitando falar de futebol. Casemiro soltou uma gargalhada:

"- HAHAHAHAHA, ele não tem nada a dizer..."

Paciência tem limite. E a minha tem um limite menor ainda.

"- Cara, vocês estão comemorando antes da hora. O Muricy mesmo disse que foi a melhor atuação do São Paulo nesse ano, enquanto qualquer um pode atestar que foi das piores do Fluminense. Vocês conseguiram um placar magro em pleno Morumbi e estão comemorando isso. Semana que vem o jogo é aqui no Maracanã. Isso sem contar mais algumas coisas... a primeira é que o time do Fluminense vai precisar atacar. A melhor forma desse time é exatamente quando precisa marcar gols sem sofrer. O meio do campo fica congestionado, nosso ataque evolui e marca gols. Sem falar que nosso melhor defensor estava machucado e volta semana que vem pro time. Quem vai marcar o Adriano dessa vez é o Thiago Silva, considerado por muitos o melhor zagueiro do Brasil, tão alto quanto o Adriano e bem mais forte que o Roger. Agora, me diz: você acha, sinceramente, que esse 1x0 no Morumbi valeu de algo além de apenas dificultar a inevitável classificação do Verdadeiro Tricolor, o das Laranjeiras?"

Manuela abriu um sorriso de satisfação e admiração. Casemiro baixou a cabeça com um sorriso tímido. Eu atingi a meta, lá onde a coruja dorme: acabei com a discussão sobre futebol sem grosserias, euforizei o papel do meu time e, principalmente, não precisei mentir. Então Casemiro apelou pra 'força dos fracos', como diria Nietzsche:

"- Quer apostar uma caixa de Brahma nisso?"

"- Não. A grana tá curta. Sem falar que antes dessa discussão estúpida sobre futebol, eu e Manuela estávamos exatamente discutindo pra que motel iríamos logo após fechar a conta. Ou seja, ainda vou morrer em mais uma grana hoje."

"- Tá, Nuno, me convenceu."

Então a coisa ficou do jeito que eu gosto. Casemiro sem-graça, Manuela com seu rosto indígena enrubescido e com os olhos arregalados, mas sem fechar aquele sorriso lindo que ela tem. E eu, calmamente, bebericava mais uma cachaça - uma de Paraty dessa vez.

5 comentários:

Murdock disse...

Torcedor do Bambi é tudo frouxo, só vai ao estádio se estiver tudo garantido. Precisaram estar a um ponto do título brasileiro pra bater o recorde de público que foi devidamente recuperado mais de uma vez pelo Flamengo.

Se o primeiro jogo tivesse sido aqui, com 5x0 pra eles, o Morumbi lotava. Se fosse 5x1 já ia complicar.

Abr

Rackel disse...

Caralho, adorei esse texto!
rs

Carol Rodrigues disse...

taí o tipo de coisa q eu evito até a morte: papos de futebol =P~

Helder Dutra disse...

o Flu deu sorte...sorte do Fla ter desfalecido contra o gordinho mexicano senão voces iam ver...

huahauhauhauh

belo texto meu caro nos moldes da apreciação minha...

Muita Força, Alegria, Vitalidade e Luz!

abraços do Aveia...

Bruno Pedrassani disse...

Cara, muito bom o texto, apesar de eu ser São Paulino, um bom texto sempre me conquista.

Afinal, bebericou a cachaça e foi pro motel pensando no Fluminense ;)?