sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Ao Iconoclasta.

Drástico destino o dos homens de pouca fé e muita razão:
com eles morre o dogma e nasce o paradigma;
é deles o (des)prazer de alastrar a heresia e a blasfêmia;
são eles que se sentam sozinhos à noite.

Obscura vida a dos homens de pouca fé e muita razão:
é deles o dever de fazer correr as novidades de ontem -
lidas e relidas sob novas lentes -
são seus olhos que enevoam,
são suas cabeças que doem.

Triste fim o dos homens de pouca fé e muita razão:
suas almas são as solitárias,
são seus corações meras bombas de sangue,
são suas lágrimas que inundam e fertilizam a terra;
a mediocridade lhes foge como uma donzela.

domingo, 7 de setembro de 2008

Papo de bar.

Sentou-se ao balcão, pediu sua cachaça, acendeu um cigarro e passou a fitar as pessoas. Ele faz isso de vez em vez; gosta de admirar o espírito humano em seu ambiente natural, como um antropólogo. As vezes ele compactua com seu objeto de estudo, flerta com a mediocridade e acaba comendo alguém na noite. Mas não nessa noite. Não dessa vez. Ele estava preocupado com o rumo que sua vida tinha tomado e, como sempre faz nesses momentos de lucidez, bebe até cair em meio as reflexões. Ele bebe as inquietações do mundo, como uma vez uma prima lhe disse.

Do alto de seus trinta anos Arnaldinho ainda não é o homem que planejava ser. Na verdade ele é um bocado diferente do que deveria ser. Sim, ele continua gostando de poesia, de cachaça, de noites entre os lençóis de alguma senhorita e de fumar. Mas hoje ele anda de terno e gravata... como dois terços desses casos, a superfície não lembra em nada o espírito. Ele ainda cultiva sua barriguinha, no entanto.

"- Onde foi que tudo deu errado? Qual foi o momento em que as coisas se desvirtuaram dessa forma?"

Hoje ele deu uma folga pra calculadora que carrega dentro de sua cabeça. Não vai dar voz aos avits ou deficits, nem ao sólido... o único líquido que o interessa está dentro do copo, descendo pela garganta. Hoje ele percebeu que, em algum momento, ele deixou de fazer as coisas por prazer e passou a encarar o mundo como uma obrigação. Se antes o mundo era um desafio que o encantava, agora é um desafio a ser vencido. Não se enganem, leitores; houve uma mudança epistêmica muito séria em algum momento. Algo nele - mais provavelmente fora dele, se eu bem o conheci - o afetou. Hoje ele está aqui pra entender essa joça. Ele foi ao bar no afã de encontrar respostas que só ele carrega.

Ela vem, senta-se ao banco ao lado e pede o isqueiro. Ele estende o braço e dá à mulher o que ela pediu. Ela percebe que Arnaldinho nem a olhou. Ela sorri, gosta dos difíceis. Cruza as pernas e o vestido sobe... que vestido o quê? É uma calça jeans. E jeans não sobe. Mas ela cruza as pernas... é um ato condicionado. Ele olha pras pernas dela - sem nenhuma intenção sexual - a vê de cima pra baixo ("- Hahahahaha, que clichê mal encaixado...") e deixa escapulir um sorriso pelo lado da boca.

"- Me paga uma bebida?"
"- Não, anjo. Tenta de novo, sem clichês dessa vez, ok?"
"- Tá, beleza. Como foi seu dia?"
"- Uma merda. E o seu?"
"- Nossa, você é sempre assim?"

É, ele não era. Bem, não costumava ser, mas não era disso que estávamos falando?

"- Mas o que fez seu dia ser tão ruim?"
"- Tive uns momentos de lucidez. Pensei na vida e advinha?! Ela é uma merda. Daí eu vim pra cá pensar nisso."
"- Bem, eu posso te ajudar?"
"- Você é a mulher que sempre quis ser? Digo, já parou pra pensar nisso? Provavelmente já. E deve estar bem longe do que queria pra você."
"- Nossa, eu só queria trepar..."