sábado, 22 de março de 2008

"Conversa de padaria I" ou "O Sorriso do Simão"

Eu encontrei esse cara, depois de algum tempo sem vê-lo, em uma padaria. O sol começava a nascer, acho que o sino badalava as seis da manhã, e eu estava acompanhado por meus três fiéis escudeiros: meu cigarro, meu café (devidamente servido em um copo de boteco) e a página de esportes de um jornal local – onde só leio as colunas futebolísticas e de automobilismo. Esperava ansioso meu pão-na-chapa: o quarto escudeiro, posto que sou um pretenso cavaleiro importante.


Enfim, Simão sentou-se no banquinho ao lado. O nome era de velho, dado pelo pai, um português clássico: daqueles barrigudos, bigodudos e baixinhos. Deu-me um tapa no ombro que quase me fez engolir o cigarro – atrapalhou a tragada que eu ensaiava nos últimos 0.36 segundos. Ele com um sorriso largo no rosto; eu com minha cara de sempre – olhos fundos de noites mal dormidas, nariz coçando, barba por fazer, cabelo desgrenhado. O de sempre. “Mais do mesmo”. Minha noite tinha sido uma merda. Não que meu humor seja bom – eu sou um cara introspectivo, de manhã sou rude (aliás, isso dá uma boa poesia), sempre. Mas essa noite tinha sido especialmente ruim. E o sorriso do meu companheiro me incomodava. Muito.


Che bello, huh?


Então, tentando ser cordial, perguntei sobre aquele sorriso. Afinal, seria bom escutar uma boa explicação que impedisse que meu escárnio se atirasse contra aqueles dentes amarelos. Ele começou com aquele papo que nós, homens, estamos mais que acostumados a ouvir: “- Cara, conheci a mulher mais linda da minha vida essa noite...” [é incrível como a vida sexual – hiper desinteressante – dessas pessoas caminha em um clímax: toda oportunidade gera uma mulher ‘mais linda da minha vida’] “... inteligente, gata, corpaço, centrada...” [Beleza, L. Amaral volta ao Flu, por enquanto] “... e tem opiniões interessantes, é charmosa, à sua maneira...” [Uhhh, Felipe Massa conseguiu a ‘pole’ na Malásia]. Umas olhadas de rabo de olho, aquele “humrum” misturado com fumaça e o café descendo pela garganta.


Emendei o pedido de mais um copo de café com a oferta de outro pro meu companheiro de balcão. Antes que ele pudesse responder, perguntei sobre a performance sexual da menina. O semblante mudou de repente. Consegui enfiar a agulha no machucado, pensei... ele realmente pareceu ofendido. De repente o sorriso... “- Por que acha que consegui ficar com ela?”. Bem, isso me fez dobrar o jornal e olhar pro imbecil. A raiva triplicou. Ele ficou falando da mulher, atrapalhando meu desjejum, e nem conseguiu uns beijos? Que filho da puta, em sã consciência, atrapalharia o começo do dia e fim da noite de um homem como eu?


Aí foi que o cara perdeu os limites da alegria matutina. Abriu um sorriso largo, sabendo que tinha me colocado em cheque. Me olhou nos olhos com um cinismo que eu desconhecia. Eu, que sempre vi no Simão aquela típica figura bobona, que daria um ótimo marido-corno, fui colocado na posição de objeto de escárnio. Não, assim não. Retribui o meio-sorriso e o olhar sarcástico. Agora a coisa tava ficando divertida: um duelo formidável entre as almas mais impuras da madrugada carioca.
“- Mas fala, Simão... comeu ou não comeu a guria?”


“- Comi não.”
“- Então caralho, que porra é essa?”



Ele repetiu o sorriso. Minha mão só não se fechou por causa do copo de café. Ato reflexo, engoli o café fervendo, queimando metade da minha língua e um pedaço da garganta. Tossi, e o filho da puta lusitano gargalhou. Como pude confirmar depois, o cara sequer tinha beijado a menina. Chegou o café dele, e mais um pra mim. Ele bebeu de uma vez, me olhou, deu uma piscada e um sorriso – dessa vez sincero. Levantou-se, deu um segundo tapinha no meu ombro e falou que precisava ir. Tinha que lavar o carro do pai, ou algo do tipo.


Levei mais uns trinta minutos, e mais cafés e cigarros, pra entender o porquê daquilo. Meu interesse pelo jornal e pelas peripécias futebolísticas do Thiago Neves tinham ido pro saco. Aí tive uma epifania: eu e Simão éramos mais parecidos do que eu gostaria de admitir. Assim como ele, eu dificilmente me interesso genuinamente por alguém. Normalmente meu interesse acaba quando eu gozo. Com Simão, a coisa era parecida. E essa noite ele conheceu alguém interessante... a despeito de ter conseguido ou não a menina. E, no lugar dele, eu também ficaria muito feliz.

4 comentários:

Anônimo disse...

Agora que descobri que posso comentar, esqueci o que ia dizer...

Gostei do conto!
Coisa que me deixa curiosa é saber quanto do autor tem em cada personagem...

Continuarei xeretando,
beijos =*

Rackel disse...

Essa moça do simão devia ser realmente interessante, heim!

=)

Murdock disse...

Isso de contar peripécias sexuais com a mulher é a maior furada.

Helder Dutra disse...

Um abraço no Simão, companheiro de covardia frente ao sexo oposto...

Formidavel texto meu caro. Força nessa trilha!

Abraços do Aveia