domingo, 9 de março de 2008

O velho moço (trocadilho)

Então ele caminhava sobre seus próprios passos. Sempre devagar, sempre preciso. O mesmo caminho de sempre, sem nunca enjoar. Era quase como uma terapia.

Não que a vida fosse calma... muito pelo contrário. Mas esses trinta minutos diários de caminhada, nessa rotina em que ele poderia prever cada acontecimento vindouro, eram seus trinta minutos de paz. Mais do que necessário.

Sempre o mesmo ritual: coloca o pé na soleira da porta, planta o corpo na calçada em frente de casa, estica o corpo e inspira o ar frio da rua, em um barulho irritante. Uma fungada de leve. E aí, zombando de toda a saúde e oxigênio à sua volta, ele acende um cigarro. Dá uma baforada pro alto e se diverte tentando separar a fumaça do cigarro daquela fumacinha, que nada mais é que o ar quente dos pulmões se condensando.





Daí ele começa seus passos. Intermitentes, intermináveis, um colosso de carne e ossos sempre em frente, como um Panzer que não se deixa atrapalhar pelos cadáveres em seu caminho. Assim ele vai, atropelando os sonhos e fantasias ordinários de gente ordinária: é seu momento de triunfo, nada pode detê-lo.

Cumprimenta o verdureiro que anuncia a mais nova alface comum, faz um carinho na criança que vai pra escola, um tapinha nas costas do cachaceiro das seis da manhã. Pensa sobre como a vida passou rápido e ele já caminha para os seus cinquenta verões - embora esteja no meio do inverno - e como sempre se considerou velho.

Velho, sim. As dores imaginárias de sempre se tornaram uma artrite que anuncia a mudança de tempo. Os hábitos taciturnos, a mania de reclamar de tudo e falar mal da juventude... isso ele carrega consigo desde os seus quinze anos de idade. Enquanto seus amigos liam Monteiro Lobato, ele se divertia com Dostoiévski. No fim das contas, dá tudo no mesmo. Só porcaria. Porcaria russa ou brasileira, fede tudo igual. Já foi o tempo em que ele se orgulhava de sua ampla experiência literária. Hoje ele é um cínico.

Ainda falta pra chegar à fábrica. Começou a trabalhar tarde, então ainda não se aposentou. Vive torcendo pra que perca um dedo e poder se aposentar por invalidez. Porque trabalho é coisa pra trabalhador. Ele não é um trabalhador. Aliás, odeia a idéia de trabalhar. Ele pensa demais. Sempre pensou. Pensava, inclusive, que a única coisa boa de ser velho era não precisar trabalhar. Pensou errado. E velho ele sempre foi.

E velho ele continua. Caminhando, porque se recusa a não pagar ônibus. Ademais, são seus trinta minutos diários de glória. E ele não trocaria trinta anos de juventude por isso.

3 comentários:

Rackel disse...

Não é q vc escreve bem?!? Tinha razão em pedir sua opnião nos meus textinhos...

Bons ventos aqui nesse blog, moço

bjs

king of my castle disse...

me dê autorização =)

Mariana Pereira disse...
Este comentário foi removido pelo autor.