quarta-feira, 19 de março de 2008

Reflexões sobre o Genitivo.

O direito à propriedade é um dos baluartes da sociedade capitalista. Ideário tipicamente burguês, o Iluminismo nos trouxe esse libelo da esquisitice humana: o direito de se dizer dono de algo, além do direito de se municiar em prol da defesa deste algo. Obviamente as coisas não são tão simples: a posse existe desde que o primeiro pithecantropus brincou de tocar fogo em um galho de salgueiro, mas a coisa chegou a níveis alarmantes em meados do século XVIII.



Propriedade intelectual? Não fode.


Veja bem, não me entendam mal. A idéia de posse é adjacente à existência humana desde sempre. O cigarro que fumo agora é meu: eu o tenho entre os lábios, o comprei com o meu dinheiro e os pulmões que vão virar carvão são meus. Digo o mesmo do café que bebo. Mas o que me assusta é a idéia de propriedade intelectual. Mesmo hoje, em um mundo dirigido e digerido pela ética capitalista, poucos são os homens e mulheres familiarizados com a idéia de possuir uma idéia. Me recordo de ler um texto sobre a Revolução Industrial inglesa (cerca de 1750), onde falavam sobre a criação das primeiras patentes. Patentes de teares modificados, engenhocas que permitiam maior velocidade de produção e coisas do tipo. Mas como ser o dono de uma idéia? É natural clamar a posse de algo material, como um carro, mas a idéia de colocar um motor de combustão interna que faz girar um eixo virabrequim não tem dono. Você pode possuir o projeto de um carro, mas do ponto de vista material: os papéis com o design do constructo, não a idéia.

Isso aqui foi invenção de mendigos ingleses. Deveria eu pagar royalties?



Devemos lembrar que nada se cria a partir do nada. Lavoisier trouxe essa idéia de Demócrito (?!?!) ao estudo da natureza: “Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Toda idéia, todo conceito, toda criação deriva de um legado deixado por incontáveis gerações de inventores, filósofos, humanos – notórios ou anônimos. O gênio inventivo do Homem modifica essas idéias e conceitos, gerando novas idéias e conceitos, que serão absorvidas, internalizadas, modificadas e gerarão, com o tempo... novas idéias e conceitos. E aí? A quem devo pagar os royalties por isso?


Vamos trazer esse papo pra um campo que eu domine mais que o vulgo. Falemos do Renascimento (meados do séc. XIV a meados do XVI). As traduções dos autores gregos e latinos antigos, as leituras dos comentadores árabes e europeus de Aristóteles, Platão, Epicuro, Sêneca... são o quê? O que seria de nós se Galileu não utilizasse uma invenção árabe – a luneta – pra olhar para os céus, enxergando dois novos planetas girando na órbita de Júpiter? E quando Thyco Brahe utilizou de geometria euclidiana pra calcular a paralaxe dos cometas, considerados até então fenômenos meteorológicos? Aliás, Kepler – o próprio – nada mais fez que corrigir os cálculos de Brahe, seu professor e mecenas. Newton nunca se sentou embaixo de uma macieira pra ‘descobrir’ a ‘Lei da Gravidade’. Aliás, o próprio conceito de ‘Lei natural’ não é newtoniano. É plágio, é cópia. E daí? “Sentamos nos ombros de gigantes para enxergarmos mais longe que eles”. Os gigantes eram os grandes autores clássicos. Os pigmeus da brincadeira eram os grandes nomes do Renascimento e da Revolução Científica.


Uma idéia não tem um único dono. Tem uma espécie inteira. Todo e qualquer conhecimento deriva de incontáveis vidas ‘perdidas’ em pesquisa, em labor inventivo, em palavras – escritas ou não – em noites mal dormidas, em enxaquecas, doenças, mortes. Presunção demais acreditar que podemos chorar porque alguém resolveu copiar um texto nosso e não nos dar o crédito. Eu não dou os créditos a Camões e aos outros heróis que fixaram a língua portuguesa. E uso de ‘sua criação’ o tempo todo. Sequer me lembro dos fenícios por terem talhado os rudimentos de nosso alfabeto. Nem pago os royalties aos hindus por terem elaborado os algarismos que utilizamos pra formar nosso sistema numérico. Quando como uma pipoca, não digo ao pipoqueiro que sacrifique um guerreiro em nome de algum deus asteca.


Quando criamos algo, precisamos ter em mente que o beneficiário desse ato sublime é a humanidade inteira. Nada mais honesto que publicar uma idéia em um espaço que se pretende democrático como a internet. Um texto em um blog é de domínio público. Ou, ao menos, deveria ser. Ademais, as lágrimas roladas por ter um texto copiado também não são suas, mein freund.


Em tempo: alguém que defende a idéia de 'propriedade intelectual' deve concordar com nossos companheiros estadunidenses; os irmãos Wright foram os primeiros a patentear a idéia de um avião. Santos Dummont nunca patenteou o 14-Bis ou o Demoiselle. A idéia não era dele. Era de uma geração de ilustres físicos que estudavam os conceitos básicos da aerodinâmica desde a Antiguidade Clássica. O que nosso inventor fazia era vender os projetos de construção de um aeroplano em lojas.


P.S.: A quem porventura interessar, o blog é um espaço público. Quem quiser copiar posts, faça. Não preciso permitir isso. Simplesmente faça. O fundamento da 'propriedade intelectual' é o mesmo para músicas, imagens, textos, etc. Copie. Cole. "Contra burguês, baixe mp3" (não Carol, isso não foi inventado pelo 'Teatro Mágico').

7 comentários:

Cristiana Passinato disse...

O pior não é querer ser dono de algo, sendo até, o pior é publicar e não deixar que divulguem, mesmo sendo colocada a autoria e o link pra fonte, agora te pergunto, pode uma coisa dessas?
Já tentei explicar, mas não cabe na cabecinha da pequena que não apanhamos nada de ng, não roubamos, não plagiamos, não fizemos nada de mal, a não ser divulgá-la.
Um abraço,
Cristiana

Cristiana Passinato disse...

Jà copiei e bloguei, no meu bloguer, ok?

Cristiana Passinato disse...

http://nicotinacia.blogspot.com/2008/03/reflexes-sobre-o-genitivo.html

Cá está o link, pode? :)

Bom feriado e Páscoa!

Cristiana

Cristiana Passinato disse...

Foi errado, afff

http://poesiasoutrasexpressoes.blogspot.com

Rackel disse...

Bom, já to comentando seu ponto de vista no msn, né mocinho...

Discordar até q é legal... afinal, o q seria do amarelo se todos só gostassem de azul, não é mesmo?!

Mas enfim... eu gosto de saber por on e andam meus escritos. Acho foda ter sido escolhida pra ter cronicas publicadas num jornal, masi foda ainda saber q meus amigos tb foram escolhidos... mas a galera do jornal podia ter avisado, né?! Não custa nada mandar um 'pitaco' dizendo q o texto tava no jornal... eu até linkaria o jornal no blog, se quer saber.

Entretanto, quando mandei um e-mail pra eles reclamando disso, uma das responsaveis pelo jornal alegou q o texto não era nem meu...
Vê se pode uma coisa dessas?!

Papelão, isso sim!!!
Prefiro q o texto fique na gaveta se for pra ser tratada dessa forma.
Não fiz 4 anos de faculdade de letras a toa!

bjão

Cristiana Passinato disse...

É, mas não foi citado o tom como a minha parceira foi tratada em nenhum momento, não é mesmo?
Educação vai bem tb e manda lembranças em alguns casos, e o blog dos outros não é ring, não...
kkkkkkkkkkkkkkk
Um abraço,
Cristiana

Cristiana Passinato disse...

aliás, quando vc nem conhece alguém, no mínimo, por educação, mantém-se um tom cordeal, não se manda um primeiro contato enchendo o e-mail de pessoas ocupadas que trabalham voluntariamente e ainda têm que aturar patadas por ter publicado um texto com AUTOR E LINK.
Faça-me o favor.
Vou encerrando por aqui, pois já vi que é difícil, sabe?
Um abraço,
Cristiana